15.10.08

Fazer o bem sem olhar a quem

Acontece-me de cada vez que chego a casa um pouco mais tarde e, pensando os meus pensamentos, atravesso devagar a rua deserta: um caniche com ar de advérbio de modo que habita terraço próximo espera o preciso momento em que eu passo em baixo para me sobressaltar com aquele latir esganiçado que ele tem (desculpe a frase comprida).

Ontem, saía eu de casa com o meu filho, vi o bicho na rua. O dono repetia “vá, força”, mas a criatura estava com evidentes dificuldades para dar conta de si. “Demasiada carne humana”, disse eu baixinho ao menino, e ele estremeceu.

Entrámos no carro. E à medida que nos aproximávamos do local onde o animal ainda obstipava, vi passar aquela treva, sabe, aquela que nos obnubila o pensamento e nos deixa nas mãos de uma potestade a que não sabemos nem podemos resistir. Então avancei até cerca de metro e meio do caniche e dei um vigoroso toque de buzina.

Foi remédio santo. Mas sabe que o meu vizinho nunca me agradeceu?