21.7.10

PORCA! PORCA!

Mesmo em Portugal, a experiência de conduzir ouvindo uma senhora a gritar “PORCA! PORCA!” na faixa do lado tem o seu quê de aviltante. Sobretudo quando se possui carta há apenas duas ou três semanas, como sucede com a minha filha. Se eu teria ficado incomodado, imagine a menina, para mais estando o automóvel dela tão lavadinho. Que canhestra manobra poderia ter levado uma senhora com ar de quem esteve presente na inauguração do Martinho da Arcada a comportar-se como um motorista de táxi do aeroporto de Lisboa a quem houvessem pedido uma corrida para, sei lá, a Portela de Sacavém?

A idosa acabou por mudar de direcção e o meu trémulo rebento lá seguiu o seu caminho, procurando controlar os nervos e retirar algum sentido de tão afrontoso trato por parte da colega automobilista. Eis senão quando outro condutor se lembrou de abrir o vidro eléctrico do lugar do passageiro do carro dele e gritar: “PORCA! PORCA!”.

Há que admiti-lo: seria de mais até mesmo para mim, que já conduzi em Itália (aqui o leitor estremece). Aterrorizada, a menina ponderou encostar o carro à berma, ligar os quatro piscas, vestir o colete, colocar o triângulo à distância regulamentar – perdoemos-lhe essas ingenuidades, praticamente acabou de tirar a carta – e pedir boleia para o resto do caminho. Parecia-lhe tão mais seguro. Foi aí que o olhar dela se prendeu na porta. “Não estava muito bem fechada, pai”, disse-me com aquela candura que me dá sempre vontade de a fazer co-titular da minha conta bancária.

Então expliquei-lhe como em finais do séc. XIX ficou cientificamente provado que algumas consoantes, a uma velocidade superior a 40 km/h, são difíceis de discernir quando gritadas de um outro objecto em andamento a mais de quatro metros de distância (ficou também provado que, a velocidades acima de 50 km/h, os ocupantes das viaturas explodem; o mesmo sucedendo debaixo de água, mas por motivos completamente diferentes. A explicação não tem aqui cabimento porque é demasiado técnica e deixa tudo numa imundície).

A menina, eu nem precisava de o dizer, ficou muito contente. Até porque, não se tratando propriamente de um elogio, a locução “PORTA! PORTA!” está longe de poder ser classificada como injuriosa. Em tribunal, renderia quando muito um double cheeseburguer. Em todo o caso, sei-a agora muito mais preparada para outro tipo de locuções, quiçá não tão coloridas mas bem menos simpáticas, como “És ceguinha ou quê, pá?” ou “Os seus documentos, por favor”.