27.12.08

23.12.08

Alguns números

Quarta-feira passada fui com a minha filha – que, by the way, será adulta a 9 de Janeiro, aceitarei cumprimentos na minha tenda no deserto – à Casa da Comédia, assistir a um concerto de Fernando Guiomar (guitarra) e Miroslava Takova (linda e violino). Os bilhetes custavam 5€ (cinco euros) cada. A viagem de táxi, das Torres de Lisboa às Janelas Verdes e volta, custou cerca de 25€ (vinte e cinco euros). Não é preciso ser-se um Rock Hudson ou um Niels Bohr [Niels Bohr? Porquê um Niels Bohr? Rever isso] para se compreender que o quilómetro de táxi está, em Lisboa, muito mais caro do que o compasso de boa música; mas demorei algum tempo a perceber que isso acontece porque andar de táxi na capital se transformou numa performance – isto é, em Arte, e Arte paga-se bem.

Para além de buzinar e gesticular, usar as luzes de forma criativa e insultar a mãe de tudo o que lhe surgia à frente do pára-brisas, tivesse ou não mãe – exemplos são bocas de incêndio, semáforos, ruas desertas e o que me pareceu ser um Elvis impersonator atravessando (ah, o louco) numa passadeira para peões –, o performer que primeiro fez o favor de para nós se exibir no seu espaço, homem para os seus cinquenta e muitos e dono de umas costas que fariam Rocky Balboa sentir muita vontade de usar saltos altos, não sabia onde ficava o teatro; na verdade, jamais ouvira sequer falar da Casa da Comédia; penso que jamais ouvira sequer falar em teatro. Para ser absolutamente exacto, creio até que ele jamais ouvira sequer falar – éramos provavelmente os seus primeiros humanos. Enfim, deixei que o espírito da época me permeasse. Demandássemos nós uma obscura azinhaga de Marvila e eu não deixaria passar a falha em claro, mas um teatro? Ora, há que ter alguma compreensão, sobretudo em tratando-se do dono de umas espaldas tão platónicas quanto aquelas.

Existem momentos na vida, meditabundo leitor, em que o espírito de um homem se abre como uma amêijoa que acabou de mergulhar na água do caldo, soltando as impurezas que traz dentro de si. Foi uma dessas comoções que experimentei dentro do táxi essa noite. Ars ludi! Ele queria que participássemos no jogo, que nos envolvêssemos no espectáculo! Conhece-me, não me fiz rogado. Pisquei o olho à minha filha, que a viagem deixara com cara de quem acaba de receber um sms revelando que Brad Pitt é afinal um holograma, consegui que ela parasse de me cravar as unhas na mão, até porque isso me estava a doer bastante, e sugeri ao artista que nos atirasse contra a parede do Museu de Arte Antiga: sabíamos onde ficava o teatro, subiríamos a pé e evitaríamos assim essas barreiras castradoras que são os sentidos proibidos, nenhum sentido devia ser proibido, ir em contramão não implica que se está a ir no sentido errado, etc. Como eu previra, porém, o taxista insistiu antes em ligar os quatro piscas em plena rua das Janelas Verdes e solicitar instruções por rádio aos colegas via “Central”, essa entidade sem cara que controla os motoristas de praça do planeta.

Ouvimos entre cinco a dez minutos de música atonal, concreta e mesmo – mas aqui posso estar enganado – dodecafónica. Decerto não Xenakis?, ouço perguntar o aterrado leitor; não, o taxista não teve coragem de ir tão longe, acho que as companhias de seguro não cobrem. Por fim, atordoados e invejando a pacata existência das bactérias não-patogénicas, fomos despejados à porta da Casa da Comédia.

O programa dos Toccata duo ia de Vivaldi e Corelli a música de filme, passando por tango e mpb. Os músicos foram, e não vejo motivo para que não continuem a ser, excelentes; e no entanto, contando comigo e com a minha filha, havia 8 (oito) espectadores na sala. E isso porquê? Porque lá fora, nas ruas sinuosas da velha Lapa, dezenas – quiçá centenas – de táxis performativos lhes roubavam a audiência.

Diz que a Casa da Comédia decidiu organizar concertos deste género todas as quartas. Frequente-os, melómano leitor, verá que vale a pena, mas cuidado, muito cuidado com os prelúdios e poslúdios. O que apanhámos no regresso, por exemplo, cortês, bem educado, condutor responsável, não valia um quinto do que nos cobrou pela corrida.

22.12.08

Voltaire revisitado

Não concordo com a palavra “prolixo”, mas defenderei até à morte de alguém a sua inclusão no dicionário.

Mínimas

Hipérbole é uma verdade que perdeu todo o sentido de modéstia.

16.12.08

Engraçado como a mente funciona

Levantei algum dinheiro numa caixa Multibanco do CCB e, enquanto a máquina processava a operação, apercebi-me do logótipo do BPN no ecrã.

Eu sou desse tipo de tanso que nunca confere trocos (género se roubar-me uns cêntimos o faz feliz, então roube, bom proveito), mas hoje, inconscientemente, eu juro, dei comigo a contar as notas que a máquina me deu.

13.12.08

Mínimas

A minhoca que nasceu dentro de uma baliza morreu convencida que era golo.

Tecendo, demorando

Não ligue ao que dizem esses leitores de praia e banco de jardim, lugares belos não são apropriados para ler. Devemos escolher caves esconsas com apenas um banco e uma luz forte, sem outra distracção que não seja esse aranhiço descendo pelo fio e demorando, tecendo, demorando, tecendo, demorando, tecendo, demorando, tecendo, demorando, pensando bem, esqueça o aranhiço.

12.12.08

As Ostras

As ostras são criaturas repelentes. É por isso que as comemos: por sentido de justiça.

Como chegar pontualmente atrasado

Se é daqueles chatos que chegam regularmente atrasados a tudo, relapso leitor, não traga relógio no pulso. Diga que se recusa, “por questões de princípio”, a aceitar o calendário gregoriano. Argumente que, de acordo com o juliano, chegou até bem adiantado. Ninguém vai fazer as contas. Se não vive na mesma cidade que a vítima dos seus atrasos, afirme-se dono de um “temperamento clássico” e explique que os meses gregos mudavam de cada vez que se passava para o outro lado do monte. Se tiver a sorte de topar com alguém trazendo entalado no sovaco um livro de “espiritualidades”, desses que falam de “auras” e “ectoplasmas” e afirmam que os extraterrestres nos raptam “porque nos amam”, murmure algo sobre A Deusa e “ritos inadiáveis” e estará safo, e sobretudo interrogue-se sobre a razão por que quereria encontrar-se com uma pessoa assim em primeiro lugar.

Mas se o encontro for com a cara-metade, ah, aí seja romântico, evoque o calendário lunar e diga que desde que a conheceu apenas consegue reger as suas horas pela argêntea Selene. Em suma, seja babilónio: eles sabiam como chegar atrasados a encontros e ainda sair por aí pecando até ao nascer do… da lua seguinte.

8.12.08

Árvore do Conhecimento

Adão e Eva não pagavam um cêntimo pelo paraíso onde viviam. Se isso não é desconhecimento do Bem e do Mal, então não sei o que seja.

7.12.08

A ponte mais longa

A ponte mais longa não é a da baía de Hangzhu ou a de Niterói ou a Vasco da Gama. A ponte mais longa é a que liga o lugar onde não mora ninguém ao lugar onde ninguém quer ir.

3.12.08