30.3.15

Clássicos para a Prainha: Os Trabalhos e os Dias


Hesíodo, humilde e pio agricultor, perde por subversão da Justiça uma causa; e no momento seguinte está a descrever as origens do Universo em hexâmetros dactílicos. Assisti a internamentos forçados por bem menos do que isso.

As atribulações de Hesíodo começam quando Perses, seu irmão, o arrasta para tribunal sob pretexto de discordar da partilha da herança paterna, apropriando-se no processo de um monte de ovelhas – julgo que se diz “um rebanho”, mas não estou seguro – através de uma técnica arcaica de corrupção envolvendo moedas e um par de mãos (aqui o pundonoroso leitor, imaginando com horror um corrupto juiz beócio do século VIII a.C., passa as costas da mão na larga testa suada e pensa, "Que sorte viver nestes impolutos tempos que são os nossos").


Hesíodo recupera moralmente da perda das ovelhas, mas Perses desbarata o produto do seu triunfo forense em manga erótica, linhas de valor acrescentado, raspadinhas, coisas assim; e vê-se forçado pela Deusa da Destituição – decerto havia uma na Grécia – a recorrer ao irmão. Timidamente sugere um depósito na conta bancária, indiferente se em cheque ou vale postal, mas o irmão (que em todo o caso, como bom rural que é, desconfia de bancos, sem razão, inteiramente sem razão) adopta uma postura entre o vingativo e o didáctico, redigindo para Perses Os Trabalhos e os Dias.


As dicas de Hesíodo relativas à lavoura, e mesmo algumas de índole mais pia – assim de repente lembro-me daquela em que exorta Perses a jamais verter águas em pé virado para o Sol –, quebram o gelo em qualquer festa; mas é ao mito de Pandora que as pessoas tendem a achar mais graça, mesmo as mulheres, as cujas Hesíodo coloca ao nível moral da barata. Pandora foi a primeira mulher, moldada à imagem das deusas imortais com terra e água por Hefesto, o deus coxinho, e dotada pelos restantes olímpicos de todos os atributos – sem esquecer a perfídia, a mentira, etc. Ela era o castigo divino por o titã Prometeu ter roubado o isqueiro a pai Zeus para o dar a uns homens que mal conhecia sem lhes cobrar sequer um cêntimo. Não há cigarros grátis.


Não direi que Hesíodo, lá por execrar as mulheres, aprovava o género masculino. Ele descreve as cinco idades do homem – a de ouro, em que o Windows instalava actualizações apenas quando não se estava a precisar do computador e os homens (lembre-se, não havia mulheres) eram tão felizes que morriam como que adormecendo; a de prata, quando a infância durava cem anos, após o que se falecia rapidamente por falta de cobertura do seguro médico; a de bronze, com gente tão violenta que mal nascia ia direitinha para o Hades; a dos heróis, com as suas guerras de Tebas e de Tróia e reformas douradas na ilha da Bem-Aventurança; por fim, a de ferro, a sua, dele, Hesíodo, a tal de Prometeu e do fogo, tão má que, enfim, perdoe, acho que não sou capaz de falar sobre isso.


Nem tudo está perdido, porém. É certo que 30 mil espíritos nos vigiam, que o olho de Zeus tudo vê e que a Justiça, sua filha, anda à coca (não literalmente) dos que procuram vencer causas nos tribunais através de estratagemas. O importante é ser-se íntegro, perseverar no trabalho e sobretudo ter cuidado, muito cuidado (não pergunte) com o dia 5 de cada mês.

16.3.15

Um olho telescópico

Uma visita à minha exposição, guiada e comentada pela Adriana Nogueira – que mais poderia eu querer? Estar lá, é claro. Não vai ser possível, mas daqui das faldas da serra, onde outros afazeres me ocupam, deitarei um olho telescópico e copiarei cada palavra sua para um bloco-notas que mostrarei com desvelo a quem um dia perguntar de que tratava tudo aquilo, afinal.

14.3.15

Cartoon Xira 2015

"Reflexos", de Pawel Kuczynski, e os Cartoons do Ano 2014. A gente vê-se mais logo, no Celeiro da Patriarcal.