A Cioran perguntaram certa vez por que razão, se a vida lhe era assim tão insuportável, não acabava com ela de uma vez por todas; ele respondeu, com o habitual pessimismo, que “do outro lado” era capaz de ser ainda pior.
Se pode ser ainda pior, sei lá eu se não é pelo menos um pouco melhor. Daí não ser dado a homenagens póstumas. O falecido passaria a eternidade a gozar-me, repetindo o meu discurso enternecido para depois rir muito por nunca me ter devolvido aquele dinheirinho que me devia. Desta forma poderei olhá-lo nos olhos – ou em lá o que é que sobra nessas circunstâncias, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino não são completamente coincidentes no assunto – e dizer “Eu sabia que você estava a brincar” e rir-nos-emos muito e faremos libações, porque nesse outro mundo os comuns dar-se-iam com os génios e vice-versa.
A excepção é, naturalmente, Millôr: imagino que ele odiaria sentir-se homenageado por mim. E depois, tenho em incomum com ele (em Millôr nada havia de comum) o facto de termos trabalhado para o mesmo vespertino português, o Diário Popular, com a distância de mais de uma vintena de anos. Claro, ao passo que ele fazia aumentar as vendas, eu estive presente no enterro do diário – mas qualquer responsabilidade que eu pudesse ter nisso já caducou, vire para lá esse seu olhar de vampiro.
Para terminar (antes que me torne mesmo, mesmo sentimental): o meu exemplar de “Millôr Definitivo – A Bíblia do Caos” foi comprado na Poesia Incompleta, que como todos sabem acaba de fechar.
Como Millôr: sem dívidas.