7.2.09

Novas Aventuras do Rufino

O Rufino gostava quando os pais o levavam a passear de carro, embora nas últimas centenas de quilómetros lhe custasse um bocadinho suportar o calor do tubo de escape.

Não havia dia que o Rufino fosse à praia com os pais que não se perdesse: eles tinham aprendido que deviam fugir sempre na direcção do Sol.

Em menino, o Rufino trazia sempre a pala do boné virada para trás. Foi apenas aos dez anos de idade que os médicos lhe endireitaram a cabeça.

Todos os dias a mãe do Rufino o mandava à mercearia comprar duas toneladas de arroz, e todos os dias o menino apanhava com o chinelo por deixar cair metade pelo caminho.

Cedo o Rufino procurou conforto nos livros; a mãe, porém, insistia em que ele dormisse apoiando a cabeça na almofada das agulhas.

O Rufino não teve brinquedos. O pai dele nunca lhe trazia um presente que não houvesse comprado a pensar no futuro, como frascos de arsénico e esquifes em pinho.

O Rufino encontrava refrigério na leitura de BD, mas uma matrícula assim surgia muito raramente.

Os pais do Rufino recorreram a um conselheiro matrimonial, mas nem assim foram capazes de se entender sobre qual dos dois tivera a culpa.

O Rufino tinha uma casa de banho só para si, mas nem sempre o vizinho lhe abria a porta.

Na adolescência, Rufino reflectiu sobre a sua orientação sexual e concluiu que era para baixo.

O Rufino chegou a fazer parte de uma banda Rock, mas ao cabo de um ano um dos restantes membros ficou sóbrio e percebeu que ele não era uma groupie.

O Rufino tentou o método socrático, mas as candidatas a namorada estranhavam tanta pergunta.

Quando finalmente acabou de ler Ulysses, o Rufino sofreu uma pancada na cabeça e perdeu a memória de tudo o que acontecera nos três meses anteriores.

O Rufino tentou o Tarot, mas as cartas vinham sempre devolvidas.

O Rufino leu toda a obra de Hegel no alemão original. Isso levá-lo-ia mais tarde a tentar aprender a língua.

O Rufino tentou comunicar com o Além usando uma tábua ouija. Na primeira sessão, apanhou um espírito fanhoso; na segunda, um analfabeto; na terceira, Kant. Nenhum dos três se percebia.

O primeiro puzzle gigante que o Rufino tentou resolver consistia numa foto do oceano Pacífico.

O Rufino tentou o solipsismo, mas as outras pessoas não paravam de existir.

O Rufino era o único membro do grupo de teatro amador lá da empresa a quem o ponto dava deixas erradas.
 
O Rufino não gostou muito da experiência no teatro; ele fazia de pancadas de Molière.

O Rufino é um homem simples. Dá-se por contente em ter cinco dedos em cada uma das três mãos.

Os colegas de trabalho achavam o Rufino um tipo cómico, em especial pelas caras que fazia quando ficava preso na trituradora.

Quando alguém quer descrever o Rufino, não diz simplesmente que é de estatura média: di-lo “um gigante minorquinha” ou “um anão enoooorme”.

O Rufino tentou a agricultura, mas ao fim do dia não via resultados.

O Rufino não falha uma dessas meias-maratonas domingueiras. Chega sempre em segundo na edição do ano seguinte, logo depois deste que se assina.

A carta mais simpática que o Rufino recebeu até hoje continha ameaças de Robert Mugabe.

O Rufino teve que desistir de visitar jardins botânicos porque as flores o atacavam.

O Rufino tem pés chatos. Pelo menos é o que diz o resto do corpo.

O Rufino é alérgico a apenas um tipo de comida, mas nunca sabe qual será da próxima vez.

O Rufino sabe ler a palavra “URGÊNCIAS” em trinta e sete idiomas.

Quando o Rufino por fim concluiu os dois anos da rigorosíssima dieta, a obesidade tornou-se não apenas saudável, como chique.

O Rufino teve problemas de fígado por usar after-shave com álcool.

O Rufino declarou-se à funcionária da repartição de Finanças. Ela respondeu, sem desviar os olhos do monitor, “nem que você fosse o último contribuinte do mundo”. E triplicou-lhe o imposto em dívida.

Quando o Rufino paga em dinheiro, exigem-lhe bilhete de identidade.

O Rufino não tem animais de estimação. O cão dele não o estima, o papagaio cinzento odeia-o e o cágado tentou enforcar-se num aloé.

Quando o cão leva o Rufino à rua, obriga-o a apanhar também o cocó dos cães seus amigos.

O Rufino é o único ser humano vivo que pode ser enterrado dentro da lei.

O Rufino tem sexo com alguma regularidade, mas não o usa.

O Rufino é o único habitante da ecúmena contra quem decretaram uma fatwa por se tentar converter ao Islão.

O Rufino fundou uma escola filosófica baseada no desapego aos bens materiais, mas os seus discípulos obrigavam-no a pagar uma mensalidade absurda.

O Rufino foi considerado responsável, e cumpriu pena, pela síncope em português das consoantes N e L intervocálicas. Ele acabaria sendo bastante maltratado pelos restantes prisioneiros de delito comum, muito sensíveis a violações da língua.